Saúde: Autorizado, Canabidiol esbarra na burocracia

A substância não é reconhecida como medicamento pela Anvisa, e as famílias precisam pagar imposto de importação. O trâmite na Receita Federal é lento. Pais pedem que o processo seja facilitado.

Leila reclama da demora na liberação do CBD para uso da filha.

 As famílias que lutam pela liberação do Canabidiol (CBD), uma das substâncias derivadas da maconha, estão diante de mais um impasse. Apesar da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para comprar o produto, o trâmite da Receita Federal toma mais tempo, dinheiro e paciência dessas pessoas. Como o CBD não é reconhecido como medicamento pela legislação brasileira e, no exterior, o registro dele é de suplemento alimentar, as famílias precisam pagar os impostos de importação, ou custear o serviço de despacho ou a viagem para retirar pessoalmente o pacote. Para os pais, todo o sacrifício é válido diante de uma visível melhora, mas eles pedem que o processo seja facilitado. …

“No desespero de o medicamento que temos acabar, queríamos solucionar o problema mais rapidamente, então, contratamos um despachante”, disse a professora Leila Weschenfelder Ferreira, 42 anos. Ela explicou que tinha três opções: uma era pedir por via expressa, pela qual seria cobrado imposto; ir até o aeroporto retirar pessoalmente; ou contratar um despachante. A família optou pelo profissional, na esperança de receber o pacote em poucos dias e por não ter condições de viajar. 

Ela e o marido, Rosivaldo Ferreira, 43 anos, entregaram a documentação solicitada: receita médica, autorização da Anvisa, nota fiscal, Certidão de Nascimento da filha. Tudo precisava ser autenticado em cartório. “Falamos com o despachante na última segunda-feira e ele disse que já encaminhou, mas a Receita de Viracopos (SP), aeroporto onde está o pacote, deu um prazo de 10 dias para mandar”, explicou a professora. Além da espera, tiveram que pagar mais R$ 100 referentes ao armazenamento do produto. Para Leila, é como se estivessem de mãos atadas. “Todo mundo tem comentado os resultados do medicamento e não vemos o governo mostrar interesse. Tudo está dificultando e é muito gasto, fora o desgaste emocional”, desabafou. 

Na primeira compra do produto com o documento da Anvisa , a família pediu que entregassem na casa onde moram, em Águas Claras. O pacote veio com uma taxação de 18% de ICMS mais 60% do valor da nota fiscal. Leila e Rosivaldo quitaram os custos e começaram a ministrar diariamente a substância na filha, Gabriela Weschenfelder Ferreira, 6 anos. Na segunda semana, viram os resultados. “O apetite melhorou, diminuíram as crises e ela voltou a interagir um pouquinho mais e ficar um pouco mais independente”, conta. A menina tem uma doença rara somada a má formações encefálica e da coluna vertebral e problemas visual e motor. A criança tinha, em média, 20 crises diárias. 

Nova luta

“Queremos tornar mais rápido esse processo e que as famílias recebam na porta de casa sem pagar o imposto”, afirmou Katiele Fischer, 34 anos, mãe de Anny Fisher, 6, portadora de uma doença rara denominada CDKL5. Como Leila, na última ocasião em que pediu para receber em casa, Katiele teve que pagar as taxas. Com pressa, porque o remédio de Anny estava no fim, foi a São Paulo buscar a substância e voltou para Brasília no mesmo dia. Para o marido de Katiele, Norberto Fischer, 46, uma nova luta começa agora. “Precisamos desburocratizar porque, nesse caso, é risco de morte e, apesar de ser um processo para garantir a segurança, não está ajudando”, comentou.

O Correio entrou em contato com a empresa norte-americana que fornece a substância para os brasileiros. Segundo Vanesih Beckmann, vice-presidente de Novos Negócios da companhia, eles encaminham o CBD para o endereço da pessoa que o compra. Para isso, recorrem a uma empresa que fornece o número de rastreamento do pacote e demora poucos dias para mandar ao Brasil. 

Segundo informações da Receita Federal, repassadas pela assessoria de Comunicação do órgão, o CBD consta como uma substância isenta de tributo, independentemente da forma escolhida para envio. No entanto, como esta é uma determinação recente, com cerca de um mês, os compradores dependem de liberação da Anvisa, além da receita médica. Para a remessa formal, não há cobrança de taxas, e o valor do armazenamento é definido por aeroporto. 

Fonte: Por ROBERTA PINHEIRO, Correio Braziliense – 05/09/2014

 

 

O QUE MUDARÁ COM A PEC DAS DOMÉSTICAS?

Muito além do tanque e do fogão

Os profissionais beneficiados pela PEC das Domésticas não se restringem aos que trabalham na cozinha e aos que estão encarregados da limpeza da casa em que atuam. A maioria deles já faz planos para usufruir das conquistas, que chegam com mais de meio século de atraso.

 O conceito de empregado doméstico não se esgota na figura da mulher que limpa e prepara comida em casas de família. Os trabalhadores alcançados pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 66/2012 vão muito além daqueles que prestam serviços no tanque ou no fogão. Os direitos adquiridos na última semana deram um novo ânimo às pessoas que se dispõem a servir em lares alheios.  …

 Quase sempre anônimas e invisíveis, elas assumem papel de protagonistas, embora, em muitos casos, o reconhecimento não coincida com a importância da função exercida. Com a aprovação dos benefícios, encarada como fato histórico, o Correio ouviu jardineiros, caseiros, babás, motoristas, cuidadoras: todos na lista de contemplados pela PEC das Domésticas. São homens e mulheres, a maioria com baixo nível de escolaridade, que em situações não raras chegam a ser considerados parte da família para a qual trabalham, sejam como autônomos ou ligados a agências de emprego. Apesar das dúvidas e dos receios, esses trabalhadores estão eufóricos com a conquista. Não escondem a ansiedade com os desdobramentos da nova legislação e têm medo de serem demitidos ou, no mínimo, de verem definhar a relação de confiança e amizade com os patrões. Mais do que a igualdade de direitos, incluindo pagamento de horas extras e adicional noturno, por exemplo, deixam claro que querem ser valorizados. Apenas isso.

Função atual permitiu a Antonio financiar seu primeiro carro

Motoristas

Rotina flexível

Motorista particular não tem trajeto definido. Quem dirige para os outros precisa estar disposto a se enquadrar em rotinas bastante flexíveis. O trabalho dificilmente se resume ao vaivém dentro do carro. Entre uma carona e outra, pode haver uma parada para pagar contas do patrão no banco, levar roupas na lavanderia ou fazer compras no supermercado. Contemplados pela aprovação da PEC nº 66/2012, esses empregados domésticos esperam ter a vida melhorada. Querem pontuar melhor as funções que exercem, mesmo cientes do intrínseco caráter imprevisível da atividade.

Nascido e criado na roça, no interior de Minas Gerais, Antonino Ferreira dos Santos fixou-se em Brasília 20 anos atrás, quando acabou conseguindo um emprego de caseiro em uma casa no Lago Norte. “Fazia de tudo. Eu era tipo um escravo”, define ele, relembrando que chegava a trabalhar aos domingos e feriados, sem ganhar nada a mais por isso. Hoje, aos 45 anos, ele se sente mais valorizado como motorista de uma família do Sudoeste. Considera o patrão um amigo e torce para que a PEC das Domésticas seja, de fato, aplicada.

Casado, pai de dois filhos, Antonino estudou até a 5ª série do ensino fundamental. Foi o emprego atual que deu a ele a chance de financiar o primeiro carro e arcar com as despesas da família, que mora em Planaltina. O motorista não esconde o medo de perder a vaga, mas está animado com a lista de direitos adquiridos. “Trabalho desde os 10 anos e nunca tive esses benefícios”, comenta Antonino, que está disponível para os patrões de segunda a sexta, das 8h às 15h, em tese. (DA)

Uelton Brito quer o FGTS para comprar um lote

Jardineiros

Garantia de poupança

Natural de Urucuia (MG), o jardineiro Uelton Barbosa de Brito, 25 anos, mantém uma rotina de trabalho em contato com a natureza. A partir das 7h, começa a percorrer os 20 mil metros quadrados da chácara na qual foi contratado no Setor de Mansões Park Way (SMPW). Com bastante cuidado, rega as plantas, limpa a horta, apara o gramado e ainda tem tempo de alimentar os cachorros da casa. Há três meses em Brasília, deixou a cidade natal em busca de uma melhor remuneração.

O salário em Minas Gerais era de pouco mais de R$ 600. Agora, passou a receber R$ 800. Atento às mudanças que a PEC das Domésticas trará para ele, está ansioso para ter direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). “Vou ter direito a uma poupança. Isso é um avanço grande”, festeja. Ele, que estudou até a 8ª série, diz gostar do que faz. E já faz planos. “Quero comprar um lote para construir uma casa na cidade em que nasci. Ainda tenho planos de voltar para lá. Mas somente em boas condições”, completa.

O jardineiro Jair Pinto de Oliveira, 47, ainda tem dúvidas sobre como será calculada e controlada a jornada de trabalho e as horas extras. Mesmo sem uma resposta imediata, está contente com a igualdade de direitos conquistados, uma vez que deixará de ser motivo de comentários entre os vizinhos em Ceilândia. “Muitos me perguntavam como me sentia sem ter direito a FGTS e a horas extras. Agora, esses questionamentos vão acabar. Meu patrão já me disse que vamos nos sentar nos próximos dias para conversar sobre um contrato”, ressata. (AT)

Luzia Maciel vibra por ter ajudado a pagar a faculdade do filho

Passadeiras

Orgulho do que faz

A passadeira Luzia Maciel, 58 anos, chega a prestar serviços para cinco famílias. Há 11 anos na profissão, afirma gostar do que faz. “Amo passar roupas. Acho que as pessoas ficam satisfeitas com o resultado”, comenta. O valor da diária varia entre R$ 80 e R$ 90, mas sente falta de benefícios. “Não tenho 13º, FGTS nem férias. E, se o patrão viaja ou dispensa o serviço do dia, fico sem dinheiro”, ressalta.

Ela, que gostaria de ter mais direitos como passadeira, vê a PEC das Domésticas um avanço para a classe de trabalhadora doméstica. “É mais do que merecido. Nós sempre prestamos um serviço até melhor do que nas nossas próprias casas”, afirma. Apesar das dificuldades enfrentadas, Luzia não lamenta a opção de trabalho escolhida desde quando começou a vida de diarista em Brasília, há 22 anos.

“A casa onde moro construí com o meu trabalho de diarista. Só tenho a agradecer a Deus por isso”, vibra ela, que mora no bairro Areal, em Taguatinga. No primeiro emprego, Luzia ganhava cerca de R$ 35 por dia trabalhado. O valor, segundo ela, era maior do que o pago a outras diaristas. “Minha patroa reconhecia o meu trabalho”, admite.
Nascida em Caratinga (MG), chegou a Brasília em 1981. Mãe de duas mulheres e de um rapaz, orgulha-se de ter ajudado na formação do filho. “Ajudei a pagar a faculdade dele. Hoje, ele é administrador em uma empresa de tecnologia”, conta. Com sentimento de realização, ela tem como sonho reformar a casa. “Com certeza, vou conseguir, com trabalho duro e muita dedicação”, enfatiza.

Silvana Motta: dia sim, dia não, dedicação a uma senhora de 87 anos

Cuidadoras

Doação é absoluta

Pagas para se dedicarem integralmente a doentes ou idosos em casas de família, as cuidadoras exercem um serviço de doação absoluta. Também consideradas empregadas domésticas, essas profissionais conquistaram todos os direitos trabalhistas contidos na PEC nº 66/2012, aprovada na última semana.
As mulheres são maioria nesse mercado. Geralmente, atuam em regime de plantão: trabalham 24 horas seguidas — quase sempre dormindo na residência — para folgar um ou dois dias, a depender do acordo com os patrões. Os salários variam entre R$ 800 e R$ 2,2 mil mensais. Antes de procurarem oportunidades, as cuidadoras costumam passar por treinamentos específicos. Muitas estudam para virarem técnicas em enfermagem. A rotina pode incluir atividades de cozinheira, de passadeira e mesmo de motorista.

Há oito meses, Silvana Motta largou o escritório de advocacia onde era secretária para dividir a vida com uma senhora de 87 anos, em uma mansão no Park Way. Dia sim, dia não, ela deixa marido e três filhos para se juntar a uma outra família, que também passou a ser dela. “Não é fácil, mas faço por amor. Aqui, também me sinto como se estivesse em casa”, comenta ela, entre carinhos e beijos com a pessoa com quem conversa, passeia pelo jardim, almoça, janta e até dorme na mesma cama.

Silvana, que tem ensino médio completo, já foi tachada de louca por abraçar uma profissão que exige tanta paciência e perseverança. Mas ela não se vê fazendo outra coisa. É assim desde que a irmã sofreu um acidente vascular cerebral, a mãe morreu de câncer e o filho mais velho quase ficou paraplégico após um acidente de carro.

De jaleco branco, a cuidadora, de 49 anos, nascida no interior de Minas Gerais, acredita que a PEC das Domésticas dará mais respeito a ela e as colegas. “Muita gente ainda menospreza nosso trabalho”, afirma. Nos próximos dias, Silvana vai se sentar com a patroa para conversar sobre os direitos adquiridos com a nova legislação, e o salário, de quase R$ 2 mil, poderá aumentar.

Mabel Ventura de Araújo, 46, é cuidadora desde setembro, mas por ser funcionária de uma empresa, já tem a maior parte dos pontos da PEC atendida. Mesmo assim, comemora a aprovação da emenda constitucional. “Agora, temos um alicerce, uma estrutura para trabalhar”, define ela, que cuida de um senhor de 74 anos no Jardim Botânico.

Satisfeita com a relação de confiança construída com a família para a qual trabalha, Mabel diz que se dedicar ao outro sob pressão ou se sentindo explorada é algo praticamente impossível. Por isso, sustenta, os direitos conquistados podem até dar um novo sentido ao serviço. (DA)

Ivan dos Santos trocou o estresse de taxista por salário de R$ 1,2 mil

Caseiros

Dignidade diária

Manter a área verde da casa impecável, com a grama aparada e as plantas e folhas secas das árvores podadas. Alimentar, dar banho, passear com os cachorros e deixar o canil limpo. Fazer a manutenção do deck de madeira, das calhas e dos ralos externos. Essa lista de tarefas é cumprida religiosamente pelo caseiro Ivan Carlos dos Santos, 33 anos, de segunda a sexta-feira, na casa em que trabalha, no Setor de Mansões Park Way (SMPW).

Há três meses no Distrito Federal, ele abandonou a profissão de taxista em Aracaju (SE) com medo da violência que tirou a vida de pelo menos dois colegas. “Saía de casa todos os dias e não sabia se voltaria. Os R$ 800 que ganhava todo mês não compensavam o estresse”, relembra, sem saudades. A tia que já morava na capital do país o incentivou a deixar o Nordeste e conseguiu para ele o emprego na casa de uma família em que ela passa as roupas.

O batente começa às 7h30 e, às 12h, é interrompido para o almoço. Após uma hora de descanso, Ivan retoma as atividade, que só terminam as 17h. Ele diz que não tem do que reclamar. O salário passou para R$ 1,2 mil, tem folga todos os fins de semana e já recebeu do empregador um sinal positivo de que terá todos os direitos garantidos com a aprovação da PEC nº 66/2012. “Estou muito satisfeito. Todos me tratam bem e sou respeitado”, diz.

Além de se sentir confortável no ambiente de trabalho, Santos não se envergonha da profissão. Com o segundo grau completo, ele acredita que tem um trabalho digno e honesto, mas sabe que há preconceito. “As pessoas não querem colocar a mão na massa e receber no fim do mês. Deveriam ter vergonha disso”, completa.

O também caseiro Antonio Carlos dos Santos, 59, está em êxtase com a aprovação da PEC. Há 39 anos na profissão, tem a carteira assinada, mas nunca teve acesso ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Natural de Aquidauana (MT), espera fazer uma poupança para o filho único, que mora na cidade natal. “Com esse dinheiro que vou passar a poupar, além das economias que tenho, sonho em comprar uma casa própria para ele”, ressalta.

Na chácara em que trabalha, em Águas Claras, o patrão garantiu que ele não será demitido e receberá todos os direitos. Com um salário mensal de R$ 900, ele trabalha de segunda a sábado e dorme na propriedade. “Tenho casa, comida e sou tratado com dignidade. Ninguém me explora e não quero receber nada do que não tenha direito.” (AT)

Por Diego Amorim e Antonio Temóteo

Fonte: Correio Braziliense – 31/03/2013

Campanha da Fraternidade-2012 – “Fraternidade e Saúde Pública”

cflogo

Está chegando a Quaresma, tempo em que a liturgia da Igreja convida os fiéis a se prepararem para a Páscoa, mediante a conversão, com práticas de oração, jejum e esmola. E é justamente na Quarta-Feira de Cinzas, que acontece um dos principais eventos da Igreja Católica no Brasil, o lançamento da Campanha da Fraternidade. A CF, como é conhecida, está na sua 49ª edição, é realizada todos os anos e seu principal objetivo é despertar a solidariedade das pessoas em relação a um problema concreto que envolve a sociedade brasileira, buscando caminhos e apontando soluções. Neste ano de 2012 a Campanha da Fraternidade destaca a saúde pública e suas variantes. Com o tema “Fraternidade e Saúde Pública”, e o lema “Que a saúde se difunda sobre a terra” (cf. Eclo 38,8); a CF de 2012 tentará refletir o cenário da saúde no Brasil, conscientizando o Governo da precarização de condições dos hospitais e mobilizando a sociedade civil para reivindicar melhorias.

A CF é uma campanha conhecida em todo o país e reconhecida internacionalmente. Mas você sabe quando ela começou? Quem foram os seus criadores? A primeira Campanha da Fraternidade foi idealizada no dia 26 de dezembro de 1963, sob influencia do espírito do Concílio Vaticano II.

Antes disso, o primeiro movimento regional, que foi uma espécie de embrião para a criação do atual modelo da “Campanha da Fraternidade”, foi realizado em Natal (RN), no dia 8 de abril de 1962, por iniciativa do então Administrador Apostólico da Natal, dom Eugênio de Araújo Sales, de seu irmão, à época padre, Heitor de Araújo Sales e de Otto Santana, também padre. Esta campanha tinha como objetivo fazer “uma coleta em favor das obras sociais e apostólicas da arquidiocese, aos moldes de campanhas promovidas pela instituição alemã Misereor”, explicou dom Eugênio Sales, em entrevista a arquidiocese de Natal, em 2009. A comunidade de Timbó, no Município de Nísia Floresta (RN), foi o lugar onde a campanha ocorreu pela primeira vez.

“Quando no começo de 1960, eu estava concluindo meu trabalho de doutorado em Direito Canônico na Universidade Lateranense, em Roma, fui para a Alemanha onde tinha mais tranquilidade para o que desejava. Ali pude acompanhar a Campanha Quaresmal daquele ano para recolher o fruto dos sacrifícios em benefício dos povos que sofriam fome, como eles mesmos tinham sofrido 15 anos antes, logo depois da Segunda Guerra Mundial. O material para informação (homilias, boletins paroquiais, etc.) continha reflexões muito profundas. Trouxe para o Brasil todo o material para que pudéssemos adaptar aqui.

Dom Eugenio Sales numa reunião do clero lançou a ideia. Foi feita uma lista e nomes, no fim venceu o nome “Campanha da Fraternidade”. Ficamos satisfeitos com o nome, mas nunca imaginávamos que aquela pequena semente se transformasse no que é hoje”, disse o arcebispo emérito de Natal, dom Heitor de Araújo Sales.

“Não vai lhe ser pedida uma esmola, mas uma coisa que lhe custe. Não se aceitará uma contribuição como favor, mas se espera uma característica do cumprimento do dever, um dever elementar do cristão. Aqui está lançada a Campanha em favor da grande coleta do dia 8 de abril, primeiro domingo da Paixão”, disse dom Eugênio Sales, no ato de lançamento da campanha, em Timbó (RN).

Segundo dom Heitor, o papa João XXIII tinha lançado a ideia de que católicos de países ricos pudessem dar um pouco de suas vidas para ajudar na evangelização de outras terras. Chamavam-se “Voluntários do Papa”. Assim vieram para cá missionários leigos dos Estados Unidos (EUA) e de outros lugares. Eles também ajudaram no começo da Campanha.

A experiência foi adotada, logo em 1963, por 19 dioceses do Regional Nordeste 2 da CNBB (Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte). Naquela época envolvidos pelo Concílio Vaticano II, os demais bispos brasileiros fizeram o lançamento do Projeto da Campanha da Fraternidade para todo o Brasil. Dessa forma, na Quaresma de 1964 foi realizada a primeira Campanha em âmbito nacional. Desde então, até os dias atuais, a CF é realizada em todos os recantos do Brasil.

Em 20 de dezembro de 1964, os bispos brasileiros que participavam do Concílio Ecumênico Vaticano II, em Roma, aprovaram o fundamento inicial da mesma, intitulado “Campanha da Fraternidade – Pontos Fundamentais apreciados pelo Episcopado em Roma”. Em 1965, tanto a Cáritas quanto Campanha da Fraternidade foram vinculadas diretamente ao Secretariado Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A partir de então que a Conferência dos Bispos Brasileiros passou a assumir a Campanha da Fraternidade. Nesta transição, foi estabelecida a estruturação básica da CF.

“Naquela época, a Igreja se voltava a si, preocupada com a implantação do Concílio Vaticano II e em renovar as suas estruturas conforme as indicações conciliares. Daí surgiu a Campanha da Fraternidade. Ela, inicialmente se prestou a este objetivo. No entanto, a CF contribuiu na superação da dicotomia ‘Fé e Vida’, que, imbuída do espírito Quaresmal quer modificar a situação do fiel, em prol da vida e da justiça”, explicou o atual secretário executivo da Campanha da Fraternidade da CNBB, padre Luiz Carlos Dias.

Em 1967, começou a ser redigido um subsídio para a CF auxiliando assim as dioceses e paróquias de todo o país. Nesse mesmo ano iniciaram também os encontros nacionais das Coordenações Nacional e Regionais da Campanha da Fraternidade.
Em 1970, a Campanha ganhou um especial e significativo apoio, uma mensagem do papa Paulo VI para o dia do lançamento da Campanha, o que virou uma tradição entre os papas.

A partir de uma análise dos temas abordados a cada ano, a história da Campanha da Fraternidade pode ser dividida em três fases distintas: de 1964 a 1972, os temas refletem um olhar voltado para a renovação interna da Igreja, provavelmente sob o influxo das reformas propostas pelo Concílio Vaticano II; de 1973 a 1984, aparece na Campanha a preocupação da Igreja com a realidade social do povo brasileiro, refletindo influências do Vaticano II e das Conferências Episcopais de Medelín e Puebla, sem deixar de lado a questão política nacional, que vivia uma de suas mais terríveis fases: a ditadura militar. A terceira fase, a partir de 1985, reflete situações existenciais dos brasileiros.

Ao longo da história, as Campanhas abordaram questões do compromisso cristão na sociedade. Em alguns casos, as essas questões discutidas geraram o surgimento de Pastorais ou serviços no seio da Igreja. Foram levantados e debatidos temas como, em 1985, a questão da fome; em 1986, o problema fundiário; em 1987, o tratamento do poder público para com o menor. Em 1988, a campanha apelou por uma adesão a Jesus Cristo; em 1989, conclamou o povo a assumir uma postura crítica frente aos meios de comunicação social; em 1990, abordou a questão do gênero, chamando a atenção para a igualdade do homem e da mulher, diante de Deus; em 1999, chamou a sociedade e o poder público para discutir o problema do desemprego; em 2000, convidou as igrejas cristãs e a sociedade a lutarem pela promoção de vida digna para todos. Em 2001, levantou o problema das drogas e as consequências na vida das pessoas; em 2008, propôs o debate sobre a defesa da vida; em 2011, falou sobre a vida no planeta.

Neste ano de 2012, a saúde pública será o foco das discussões. De acordo com o arcebispo de Ribeirão Preto, dom Joviano de Lima Junior, a saúde é “dom de Deus” e, enquanto tal é um direito que além de ser preservado, precisa ser conquistado. “Além disso, pensemos na importância da alimentação e da preservação do ambiente. Porém, não podemos nos esquecer das estruturas insuficientes dos hospitais e dos postos de saúde”, disse